20 de fev. de 2010

O suicida

Cá estou no beiral do edifico Copan. Do alto desse monte, observo os transeuntes na calçada da esquina da Ipiranga com a Consolação. Daqui, elas ficam minúsculas, inofensivas, irrelevantes. Minúsculas também se tornam minhas aflições e angústias. Em poucos instantes, dar-se-á o fim. O término dessa longa metragem de baixíssima bilheteria, dessa mostra sem visitantes, desse jogo sem torcida. Aqui, interromperei esta obra de poucas páginas, de leitura cansativa e sonífera. Do cume desse prédio, contemplo a cidade em meus últimos instantes. Nada há mais que uma habitual manhã de fevereiro, idos alguns dias após o aniversário desse aquariano, por pouco peixes, do período do mês em que as pessoas começam a se preocupar com as contas que estão por vir. Na calçada, alguns curiosos apontam para o céu, perplexos com a imagem de um desconhecido cidadão, postado como um marujo ao fim da prancha, esperando ser lançado aos tubarões por seus algozes. À esquerda, contemplo a Nossa senhora da Consolação, imponente, padroeira dos desesperados. A testemunha perfeita desse ato derradeiro; ninguém melhor que ela para entender que o desespero pode atormentar um homem, implodir a tua alma, e deixar sobre a Terra para as hienas somente a pútrida carcaça viva. No bolso, algumas poucas moedas servirão como pagamento ao Barqueiro ao efetuar minha travessia. Abaixo, a multidão se aglomera. Pessoas gritam palavras inaudíveis. Um vulto abre os braços. Talvez não seja ninguém mais que Morfeu, de braços abertos, ansioso para livrar-me desse triste sonho que é minha vida, esperando pacientemente que eu cumpra solenemente o destino que ele me reservara. Apesar da distância, percebo o olhar consternado de rostos desconhecidos. A atenção gratuita dos transeuntes me conforta, transmitindo uma sensação que há tempos não sentia. Sorrateiramente, por trás de mim, um senhor de bata preta se aproxima. Sua voz mansa fala de Deus. Pobre homem, não percebe que se houvesse fé nesse corpo à beira do abismo, o mesmo não estaria por se jogar do penhasco. A brisa acaricia meu rosto, o sol aquece minha face; um sorriso escapa dos meus lábios. Naquele momento, gozava de sentimentos que a vida há muito não me proporcionava. Sorri. Apesar de sozinho por todos esses anos, findaria rodeado de bons momentos. Escrevam na minha lápide: “Morreu no auge”. Um pequeno pássaro pousa ao lado. Cantarola e me observa como que se conversasse comigo. A adrenalina do momento final acelera o meu coração. Calma, paz, harmonia e intensidade. Sensações cujo sabor pleno só provara à instantes do fim. Era chegada a hora. Estiquei-me nas pontas dos dedos dos pés, estufei o peito e o ofereci ao calor do sol. Ergui os braços como um maestro a reger sua ultima obra. Levantei o queixo, contemplei o céu, porque homem que se preza deve morrer de cabeça erguida. Calei a multidão com um simples gesto. Ouvi os sussurros do vento em meus ouvidos. Já não havia espaço para angústias ou aflições. O peito cheio, a mente esfuziante, o sangue latejando. Súbito, desisti. Retrocedi lentamente da beira do penhasco, e caminhei em direção às escadarias. O Barqueiro que esperasse! Ao invés de enriquecê-lo com minhas poucas moedas, iria até a calçada tomar um delicioso sorvete, iniciando a busca incessante pela minha felicidade. Atônitas, as pessoas ao meu redor não entenderam a sonora mensagem da natureza. Pode até ser que a morte seja a solução de todos os meus problemas, mas nada se compara à sensação de estar vivo novamente. By Rodrigo Araújo

Há dias em que não é apenas o sol que deixa de nascer transformando a paisagem numa aquarela de cores desbotadas e sonhos desfeitos, parece que a nuvem carregada de chuvas, raios e trovões está mesmo dentro da gente.
Não há o que ser feito, quando o tempo fecha anunciando a tempestade de vazios e solidão que está por vir. Nada e nem ninguém parece compreender o mistério que borbulha, enlouquece e mastiga a alma pequenina e triste que vive a procurar sei lá o quê.
Não existem fórmulas, receitas, sonhos ou conforto de ter que não roube a alegria de ser. Um abismo oco, escuro e frio parece se abrir bem debaixo de seus pés, roubando-lhes a visão, razão e o sentido de viver.
Para essas ocasiões o que se pode fazer é esperar um novo amanhecer. Um novo dia ensolarado, com o cheiro doce de orvalho da manhã e de abraços apertados. Que venha devolver todo o sentido de ser e de viver... através do amor imensurável e constrangedor do Criador do universo e de todas as preciosas criaturas que nele habita.

18 de fev. de 2010

O frio das noites quentes

Era nas noites quentes de verão que aquilo tudo doia mais.
Era quando o céu estava limpo, com o ar fresco como um flor, exibindo a quem quisesse as suas mais lindas e provocativas estrelas, que a agonia vinha disfarçada de doçura.
Quando tudo o que era belo e bonito estava explodindo, que ela sentia o coração despedaçar. Sempre tivera um medo excessivo das coisas belas ou horríveis demais.
Não há como dividir o indivisível, ou ser o que não se é.

As noites mais lindas do ano escondem dores ilícitas, inteiramente inomináveis.

9 de fev. de 2010

A sutil diferença entre Ter X Ser

Vivemos numa época em que somos impulsionados a sermos todos iguais, a pensarmos da mesma maneira e a seguir determinados padrões e tendências que lentamente escravizam o nosso corpo e a nossa alma. Não há espaço para quem pensa diferente, para quem tem a alma batendo no peito... porque o “diferente” imediatamente é julgado e excluído.

As pessoas correm contra o tempo, abandonam o convívio de suas famílias, abrindo mão de seus valores para terem sempre mais. A sociedade capitalista em que vivemos poluí nossas mentes com a mensagem subliminar que diz que devemos TER para SER aceitos, querem nos transformar num bando de iguais.

E infelizmente muitas pessoas acabam deixando de lado a sua essência, família e seus valores buscando a aceitação no meio em que estão inseridas. Um dia elas envelhecerão e fatalmente ficarão doentes e sozinhas.

Certamente sentirão falta de seus amigos e dos filhos que jamais ousaram ter, porque desperdiçaram toda uma vida tentando SER o que jamais TERÃO (o trocadilho é proposital).
Buscando TER o que não esta á venda... firmeza de opiniões e um sólido caráter humano.


Num gesto que era tipicamente seu, e que por isso, lhe parecia bem normal... Katita orou baixinho a Deus, pedindo Sua benção e proteção nesses tempos tão difíceis, afastando-a do perigo de viver.

8 de fev. de 2010

Palavras a inventar

Segundo Haward Rheingold autor do livro They have a name for it, encontrar o nome para alguma coisa é uma maneira de conjurar a sua existência.
Pensamos e nos comportamos de certa maneira porque temos palavras que nos apoiam, logo, as palavras moldam os pensamentos.

Veja algumas:
MOKITA – em Kiriwina: a verdade que todo mundo sabe, mas ninguém diz
AH-IN – em japonês: a comunicação tácita entre dois amigos
WON – em coreano: resistência a livrar-se de uma ilusão
TORSCHEIISSPANIK – em alemão: pânico de que a porta se feche, literalmente
E o meu favorito...
MONO NO AWARE – em japonês: a tristeza das coisas

Olha uma que inventei agora
AVEQDE – em katitês: a verdade que só Deus vê (seriam aqueles coisas todas que se passam em nosso corpo, alma e coração que somente Deus conhece).

Insuportavelmente lírico: O belo e o triste
Talvez o belo seja triste porque é efêmero como um beijo de borboleta.

3 de fev. de 2010

Voltando no tempo

Muitas vezes ao ouvirmos uma música ou quando sentimos um determinado cheiro, temos vontade de voltar no tempo. Na maioria das vezes queremos reviver um passado que foi bonito e que traz saudades. Mas há momentos em que se deseja bem mais que isso.. é quase que um desejo patético de voltar àquele determinado ponto em sua vida e tomar um rumo oposto a aquele que fez de você o que é hoje.
Como se o tempo pudesse parar e segurar a respiração para que se volte atrás e se faça o que deveria ter sido feito.

Nem sei dizer porque estou sentindo isso, mas é assim.

" Os contornos dos seus desejos e medos inscrevem-se como ferro incandescente na alma dos pequenos, cheios de conhecimento e impotência em relação àquilo que acontece com ele. Precisamos de uma vida inteira para achar este texto marcado a fogo sem jamais ter certeza se o compreendemos". (Trem noturno para Lisboa - Pascal Mercier)


Porque a vida pede passagem. Que seja eterno e terno, enquanto dure.